NA ONDA DO ESPÍRITO

30/07/2010 08:18

Ela ainda existe, apesar das fragmentações. Ela persiste, mesmo em meio a devocionalismos noveneiros e rezações, também virtuais, estas que invadem a telinha do computador. Mas ela persiste e se infiltra no meio do povo de Deus. Ela ainda existe e é como uma onda no mar da vida com Deus. Ela, a autêntica espiritualidade cristã, cristificadora. A pessoa que crê em Jesus Cristo se cristifica: torna-se semelhante a Ele. Torna-se pessoa-alma, divinizada. Vive a vida como história de amor que liberta, cura, faz crescer.

A espiritualidade cristificadora,vivida no poder do Espírito Santo de Jesus, varre um espaço interior e se assenta, silenciosa. A meditar. Primeiro com um tempo para si: – Estou sendo quem neste momento de minha vida? ? A seguir, um tempo com Deus: Que queres de mim? Mostra-me o caminho. Contemplação e escuta. E, concluindo, um tempo para renovar as relações, via pequena e concreta proposta de mudança no amor, por amor, com amor.   

BEM – AVENTURADO ÉS TU

A espiritualidade cristificadora, é levar a vida ante o Deus da vida, mostrada em Jesus de Nazaré, o Cristo. Sintonizando. Estar e permanecer com esta referência. Estar ante Deus com o que se é no momento, no instante da hora. Sem camuflagens. É a vida em Deus que recria na pessoa o gosto de reencantar o viver, convivendo. Prazer de viver em comunhão com toda a realidade. Jesus corrige em nós o equívoco de pensar que Deus intervenha na sua obra a todo instante. Tudo nos está entregue; Deus confia a nós fazer andar a vida em família, na sociedade, no universo. Dom -tarefa nos é entregue. Para efetivá-la é necessário reunir nossas habilidades, nossa consciência ética, nosso desejo de felicidade. E partejar um futuro comum.

        Eis, então, assim, a espiritualidade-alma. A pessoa-alma, vivente qula chama de vida que se irradia, iluminando. Crescente em consciência atenta. A alma da gente busca o segredo do próprio ser/existir; do ser/conviver; do ser com os outros para o Reino de Deus. Amando como Jesus o fez, fazendo o bem. Enviados por Ele para que o mundo creia pelo nosso testemunho. Neste contexto é que a espiritualidade Redentorista nos lança. Ao que crê e pratica, a benção confirma:

– Bem-aventurado és Tu.

 CONTEMPLAÇÃO

        Existe um refúgio acolhedor dentro de nós. Morada da alma. Nosso jardim secreto (ou já devastado!?) das torrentes interiores a irrigar as planícies do cotidiano.  Indispensável refúgio, pois ao redor de nós sempre haverá solicitações. E quantas! O sistema de mercado nos solicita todo o tempo para sermos consumidores. Sempre haverá também pessoas buscando-nos para alguma utilidade. Quantas pessoas se achegam a nós, estraçalhadas, buscando muitas respostas sem lhes sobrar tempo para ouvir as perguntas redentoras de Deus. Para receber a Missão, o dom-tarefa. Assim é que Afonso de Ligório insiste na meditação: tempo para si em Deus. no espelho das interpelações.

        De tanto encontrar pessoas distantes de si mesmas é que me veio o gosto desta escrivinhação sobre o estar “na onda do Espírito”. A privação constante de um tempo consigo próprio desgasta os nervos (mesmo se forem de aço), cria a sensação de insatisfações (não formuladas), sentidas ora como impotência ora como um cansaço ante a vida, vista apenas como trabalhosa. E o desinteresse pela fé-política desaparece do cenário. Em tais condições, as pessoas se logram formular algo sobre suas insatisfações, manifestam tão somente uma AUSÊNCIA. – Não tenho mais ânimo. – Está faltando alguma coisa aqui em casa. – Sem fôlego para as tarefas de todo dia. – Fé nada tem a ver com política.  Ausência de si? Não há, então, como achar Deus presente, Deus junto. Deus companhia. Sem pensar a vida ante o Senhor Deus da vida (oração/contemplação/meditação), projetos e sonhos ou definham ou se alienam da verdade do Reino. O chamado de Deus, posto de lado, faz decrescer a chama do amor e da solidariedade. A chama da coragem e da esperança. E o mundo caminha nas trevas.

REENGENHARIA DO TEMPO DE VIVER

 De todos os lados percebe-se um dizer, um buscar sobre “espiritualidade”. Ainda bem. Sempre há o “espírito da coisa” a se perceber. Sobretudo em período de caos-gênese, se repõe a indagação inquietadora: – O que nos acontece? O que estamos a fazer? Vamos chegar onde? Indagar é próprio da alma humana. É próprio da espiritualidade reconhecer, como diz santo Agostinho: – Eu me tornei uma grande questão para mim mesmo. Assim somos nós, gente-alma, gente-chama a arder. E somos assim porque capazes de ir além, transcender. Superar. Transfigurar: mudar a figura de nós mesmos e da realidade que nos engendra. Entre tantas espiritualidades, a espiritualida de cristificadora é uma reengenharia do tempo de viver.

        Os tempos nevoentos de hoje pelas suas múltiplas propostas de ajuda, crescimento, religiões as mais diversas, são propícios a provocar em nós uma firmeza de orientação. Tempos favoráveis a que superemos nossa mediocridade. Mais que “buraco negro” no universo, há por aí buracos existenciais. E de que tamanho? São do tamanho da ausência clarividente de Deus na vida real. Imensos. E ausência dos cristãos na prática do bem comum, na luta por cidadania.

        Lendo Dalai Lama sobre “experiência mística”, ouvindo assim outro som dos sinos da eternidade do amor, fica patente que a experiência mística é para nós, seguidores de Jesus redentor, um envolver-nos com as coisas do mistério de nossa identidade em Deus: identidade divinizadora. Como Jesus de Nazaré, o Cristo.

        Quem aprende e pratica o deixar para trás todo o fazer, e pára, dá saltos: alarga os níveis de uma consciência alerta, aberta. Sai do estreitamento dos espaços e do estar acorrentado a posições sociais às quais se agarra como salva-vidas. Papéis sociais nos são necessários, mas nós não somos nossos papéis sociais: professor, médico, padre etc. Somos mais quê! Inspiradores de um futuro.

        A espiritualidade da meditação, da imersão no mar de Deus, gera transformações. Para nós, a pessoa de Jesus redentor é o mistério do amor revelado, a ser contemplado. Nele e com Ele, aprendemos a essência do viver: amar e servir. Amados, nos tornamos amantes. Amorosos, levamos a vida para a mesma amorosidade, cuidando dos mais necessitados e lutando por uma cidadania sem exclusões. Questão de uma sabedoria da afetividade a se construir e a integrar-nos: amabilidade, coragem, generosidade, gratidão, respeito, prazer, solidariedade. Que vida! Que programa! Sempre a caminho.

Sirva este poema de Paulo Gabriel, companheiro de algumas travessias, como estímulo à contemplação. Orante.

EU CREIO

Divina é a matéria,

Divina e frágil como o coração dos vaga-lumes!

Eu creio na bondade humana!

E se a insensatez da guerra tinge de sangue o dia,

Somos mais os que na Terra amamos.

Eu quero viver já, agora, sem portas e sem grades,

E apaixonado corro atrás do amanhã

Como no parque corre o amado

atrás da amada.

E porque vi Deus nas asas da águia

rumo ao Sol,

Eu sei que do caos surge a vida!

 

        Recado final, então: sem lamúrias, em tempos de desafios. Os agentes da transformação nascem sempre de situações críticas. Como provocava Thomas Merton: – Devemos seguir em frente sem a segurança das soluções já prontas. (...) É que nestas fases “não há solução na retirada, nem há solução na acomodação (...) Em qualquer tempo, a responsabilidade social é a pedra angular da vida cristã”. Hora é de darmos a luz a nós mesmos como irmãos de todos, filhos herdeiros, experimentando nesta trajetória o Reino de Deus.

Pe. Dalton Barros de Almeida, C.Ss.R.

Belo Horizonte, MG

Akikolá - Redentoristas do Leste em Notícias - Informativo da Província de MG, RJ e ES - Ano 28 - Nº 04 - Junho de 2010