EU QUERO FALAR COM DEUS

30/07/2010 08:32

A CONSCIÊNCIA DE QUE DEUS DEVE SER PROCURADO

        

        Experimentar Deus. Saborear sua Sabedoria ao entrar em minha casa. (cf. Sb 8,16). Falar com Deus. Dizer Deus, dizendo adeus golida (digerida ou não), a já passada alimpo; também a vida do instante que não passa e dói. Quando se está afetado, o sujeito decola de sua posição à mera recitação de fórmulas prontas. Falar-Lhe estando ante Ele no silêncio, na solidão calada de meu ser em feitura, sempre e ainda. Falar minha vida através do encontro com Ele. Mas como, se na aparência estou sozinho? Acontece que, longe de me sentir abandonado, há uma presença que me acarinha. Diálogo comigo mesmo na presença d’Ele. E percebo que... sou escutado. Assim, escuto o Invisível. Como diz o poeta Manoel de Barros: “o esplendor da manhã não se abre com faca”.

        Falar com Deus, orando, é dizer das necessidades todas e também dizer o inefável da vida que se leva, dos sentimentos que se aninham em nós neste tempo de estar ante Ele. Falar

gozoso sobre desafios, contar lapsos e dizer o temor das dores nas recurvas dos relacionamentos. Dor e pesares. Louvores.

        Oração genuína a gente encontra naqueles que denominamos como Místicos. Em suas escrituras pode-se desvelar, tirar um véu... e acender uma vela, luz que vem de quem se consome amando. Desvelar revela a escuta para as possibilidades de Deus conosco. Será sempre uma posição subjetiva. Cada qual com seu sentir advindo da própria história de vida, vivida: a já engolida (digerida ou não), a já passada a limpo; também a vida do instante que não passa e dói. Quando se está afetado, o sujeito decola de sua posição costumeira, estabilizada, e se envolve em outra direção melhor, fazendo sentido com o desejo de permanecer crescente. “A vontade divina é um abismo e o momento presente, a sua estrada; mergulha sem medo nesse abismo e verificarás que ele é bem maior que teu desejo (De Caussede, 1187).”

        A oração, o trabalho e os dias. Deus como referência primordial daquilo que se busca. “Nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17, 28). Então, ler os Místicos, esses pastores do Mistério, cuidadores do essencial e ainda invisível, guardadores das ressonâncias, os Místicos, como os poetas, nos aproximam por suas escrituras da Presença Plena, a divina. No que escrevem canta o Amor, o perdão desconta e a linguagem ilumina as coisas do dia que acontecem conosco.

        Importa viver na vigilância de que tudo é sagrado nesta nossa vida se soubermos ver o Invisível e escutar o Invisível. Disponíveis a Ele.  Está no livro do Êxodo: – O homem não me pode ver e viver. (33,20). Mas persistimos desejosos e buscadores, como Moisés: – Mostra-me a Tua face. (33,13).

        A oração mesmo é um abrigo que buscamos para respirar largo e retomar vitalizados o caminho, tateando. Porém, constantemente visitados pela que permitam um mergulho no Oceano do Mistério. Aventure-se nestas pequenas contemplações.

 -Vamos, agora age, Senhor;

Agita-nos, convoca-nos,

dá-nos tua luz, leva-nos contigo;

 faze sentir teu calor e tua doçura:

depois vamos todos nos amar, e correr pelos campos.

(Sto. Agostinho 354-431).

 

- Não imagineis que o percurso seja curto;

e cumpre ter um coração de leão para percorrer essa estrada insólita.

Pois ela é muito longa e o mar é fundo.

(...) Quanto a mim, sentir-me-ei feliz se descobrir, pelo menos, um vestígio dele.

(Farid Attar 1140-1220).

 

Alguns dizeres de Thomas Merton (1915-1968).

1. Não nos damos conta de nossa própria localização, e deveríamos: é importante saber onde, sobre a face da Terra, nós fomos postos. (...) E pensar que ninguém presta atenção nisso.

 2. Para pertencer a Deus eu tenho de perceber a mim mesmo. (...). Toda a minha vida agora é isto: manter-me despedido.

 3. O sacramento do momento. Cheguei mais perto do que nunca a compreender integralmente como é a verdade que nossas relações com Jesus são algo além, muitíssimo além, do nível da imaginação e emoção.

 4. (...) porque não podemos ser santos a não ser que sejamos antes de tudo humanos.

 5. É no deserto da compaixão que a terra sequiosa se transforma em jorros d’água.

 6. Não é tanto que eu pense Nele, é que estou consciente Dele quanto do sol e das nuvens e do céu azul e dos cedros finos.

 7. O silêncio é pois a adoração de sua verdade. O trabalho é a expressão de nossa humildade. O sofrimento nasce do amor que busca tão somente uma coisa: que a vontade de Deus seja cumprida. (...) Suspenso inteiramente em sua misericórdia, contento-me com tudo o que acontecer.

 8. Humanidade: um instrumento musical para Deus.

 

        Talvez a questão desconcertante na mística, em sua base, seja que cada um de nós é irrepetível e incomparável, e que somos ícones do Mistério. O ícone, como diz Panikkar, é um símbolo do mistério, um “passador” quando nosso olhar é matinal. Será que estamos sendo uma epifania do Invisível? A Fé é um dom divino a nós: sem esta Fé não vemos os sinais da presença de Deus.

 

De Adélia Prado (1935...)

Se não fosse  a  esperança  de  que  me aguardas com a mesa posta

o que seria de mim eu não sei.

Sem o Teu Nome a claridade do mundo não me hospeda.

É crua luz crestante sobre ais.

Eu necessito por detrás do sol

do  calor  que  não  se  põe  e  tem  gerado meus sonhos,

na mais fechada noite, fulgurantes lâmpadas.

Porque acima e abaixo e ao redor do que existe permaneces,

Eu repouso meu rosto nesta areia

contemplando as formigas, envelhecendo em paz

como  envelhece  o  que  é  de  amoroso dono.

O mar é tão pequenino diante do que eu choraria

se não fosses meu Pai.

Ó Deus, ainda assim não é sem temor que

Te amo,

nem sem medo.

 

Experiência de Deus? Hemos de tocar a profundidade de sermos quem somos chamados a ser com a totalidade do Ser.  Sentir a inteira realidade da vida em nós e fora de nós.  Deus está presente a tudo!

 

De Ângelo Silésio: 

Aproximo-me de Ti, Senhor, como do meu raio de sol,

que me dá luz, me aquece e me torna um ser vivo.

Se, então, de mim te aproximas como da terra,

logo meu coração será a mais bela primavera.

 

De R. Tagore:

Nesta noite de cansaço,

deixa que eu me entregue ao sono sem relutância,

pondo minha confiança inteira em Ti.

Não permitas que eu force meu espírito

abatido a preparar alguma coisa pobre para teu culto.

És Tu que estendes o véu da noite

sobre os cansados olhos do dia,

a fim de que seu olhar se renove com fresca alegria ao despertar.

 

        Termino, leitor(a), este ramalhete dizendo como Mestre Eckhart que cada criatura aninha em si algo de Deus, uma chama, centelha. Ela não se perde nem pode ser totalmente destruída. Só pode ser coberta. Indago carinhosamente: o seu modo de viver a religião abre-lhe um caminho de liberdade, de plena disponibilidade e de total desprendimento para ser de Deus quando a hora chegar? É preciso estarmos todos em busca da Unidade. (João 17).  Sejamos um com o Uno. O experimentar o caminho da Mística faz-nos viver da unidade.

 

Pe. Dalton Barros de Almeida, C.Ss.R.

Belo Horizonte, MG

Akikolá

Redentoristas do Leste em Notícias - Informativo da Provincia de MG, RJ e ES - Ano 28 - Nº 05 - Julho de 2010