ESPIRITUALIDADE

26/07/2011 12:33

 

VOCÊ NUNCA ESTÁ SÓ

Ele foi um náufrago desde que nasceu caçula e temporão. Entrou na barca da vida em águas de insegurança, surras, ciúmes e apavoramento.

Pesadelos. Aos treze anos já estava em mar alto. E ele próprio avolumou as ondas, fez o barco de sua vida ir à deriva. Criou tempestades e sem nenhum porto seguro. E isto por trinta e seis anos. Bebida, drogas, sexo, mulheres, trambiques e traficâncias.

Crises, internações. Prisão. Prisão de segurança máxima, sonhando com “a liberdade, uma companheira, um lar e um emprego”. Foi quando...

 EM SOROCABA

Tinha ido orientar um estudo de atualização para o Clero: – Evangelizar a cidade hoje. Dizia-me, então, Dom Eduardo Benes (o mesmo companheiro inteligente de sempre): – Você precisa conhecer o Gelfe. Ele é um milagre de Deus.

 NUMA CASA DE ACOLHIDA

Na noite em que conheci Gelfe, o náufrago e milagre de Deus, ele não era o centro. Conheci uma novidade eclesial. Fomos, Dom Eduardo e eu, celebrar em uma “Casa de Acolhida”, cuja missão é retirar as pessoas das ruas; crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Assim estava a Casa, fervilhando, embora existisse há apenas quatro.

No mesmo clima, fomos celebrar na sala que deve ser a das refeições. Superlotada. Um tal de chegar mais gente e arranjar assento em cadeiras e almofadas. Dom Eduardo presidia e iniciou recordando que celebrávamos a festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; era o dia 27 de junho, segunda - feira.

O bispo afável e em sintonia fina com o ambiente atiçou alguns depoimentos. Havia risos, aplausos e aprovações. Quando a Palavra era proclamada, silêncio absoluto. Era escutada de olhos fechados e mãos abertas sobre os joelhos, acolhendo-a qual semente na terra do viver. Os cantos traziam meditação e recolhimento. Embora cantando, o silêncio era absoluto. Clima orante inconteste. Foi a coordenadora, jovem consagrada, que me explicou, antes de eu proclamar o Evangelho e dizer-lhes uma mensagem sobre as mãos de Maria, no ícone, apontando Jesus. Ela disse: somos (apontou os quatro consagrados) da Comunidade Aliança de Misericórdia. Nove anos de fundação. Nosso lema: Evangelizar para transformar. Situamo-nos em 37 cidades brasileiras, presentes em quatro outros países: Bélgica, Itália, Polônia, Portugal. Somos missionários, homens e mulheres, celibatários e casados, leigos e clérigos. (Havia ali um seminarista em vésperas de ordenação). Total de 296. Nossa Palavra de Vida é: O Espírito do Senhor está sobre mim...

 O LIVRO

Após a Eucaristia, Gelfe entregou-me o livro autografado: Paz e alegria em Jesus. Assinou: Gelfe Franco. O livro é só franqueza e ensinamento meditativo para o leitor, no sopro da inspiração evangelizadora. Forma testemunhal. Duzentas e trinta páginas, lidas aqui em Fabriciano (MG). O título: VOCÊ NUNCA ESTÁ SÓ. A história de um homem em busca da cura do EU interior. São 230 páginas narrando anos enredados na rede da destruição. Como ele mesmo escreve: trinta e seis anos de caminho de trevas, dez anos de caminho de luz e de graças do Senhor, mas há quarenta e três anos no coração de Deus, que cuida, que sonda, que persegue e que chora de amor, que chama e espera. Hoje, este gaúcho andarilho está casado há 12 anos e é pai de duas filhas. Autônomo.

Possui ensino fundamental incompleto. É gerente de relacionamentos. Pertence, comovido e grato, à Paróquia de São Luiz Gonzaga (Sorocaba) que o acolheu.

Evangeliza, ligado à Canção Nova como fonte e matriz de sustentação do senti do de sua vida.

 

REESTRUTURAR?

Duas frases permanecem comigo: Vocês são todos irmãos. O Espírito do Senhor está sobre mim. Deparando-me com elas, vai se estabelecendo um paralelo em minhas reflexões, ora de modo orante, ora a modo de pesquisa: o futuro do cristianismo, o futuro de Redentoristas em reestruturação, o inédito das “Comunidades Novas” para um novo tempo. Do ser Igreja para um novo tempo eu conversara com o clero de Sorocaba. (E, sobretudo com Dom Eduardo, o companheiro de sempre).

Desde uma outra fase de vida, tenho para mim que a Congregação Redentorista respondia a uma estratégia de Deus para as necessidades do Reino, via a Igreja de Jesus no mundo. E, agora, falamos de reestruturação.

A Comunidade que visitara grita ainda dentro de mim: – Sou uma estratégia de Deus para o mundo de hoje. O Carisma redentorista existe. Persisti rá na história? Em parte vai depender da reestruturação para a nova época da humanidade. O carisma por uma nova humanidade! Onde está o novo ardor, os novos métodos, a nova evangelização? Não se desliga o carisma da vida comunitária, a Comunidade Apostólica a que somos chamados ser. Dela depende o profetismo. Então, reestruturar a maneira de ser Comunidade Apostólica. 

O PONTO CEGO

Vida no Espírito. Aqui, talvez, seja onde haja nó cego. E aqui começa o paralelismo com as NOVAS Comunidades que há sete anos vou conhecendo e estudando. Elas significam um desafio à acomodação. E apontam para um risco: re-incorporar modos conservadores do imaginário cristão. O desafio: Igreja, Congregação e Província, casais cristãos, pastorais... chamados todos a viver uma intimidade com Deus e desejosos de realizar o Desejo Dele para este momento da História. Mudança pessoal: experiência mística de plena abertura e entrega: vocês todos são irmãos. O que, enquanto Comunidades Apostólicas, é impossível sem intimidade com Deus. Ou no dizer de Afonso: sem oração que converte.

 CONVERSÃO COMO VALIDAÇÃO DE FÉ

Sem nos tornarmos comunidades de conversão não haverá futuro. Ao desafio de romper com as acomodações, o enfrentamento se junta, dados os binômios que a atual cultura levanta a nós todos: autonomia e obediência ao Pai; relações variáveis versus vínculos duradouros; relações descartáveis versus amor eterno a Deus e seu povo; individualismo versus comunidade; consumismo e opção pela simplicidade de vida (pobreza); liberdades sexuais/ castidade e celibato. Vocês são todos irmãos. Igualdade para a vivência da fraternidade. E como ser fraternidade para além da organização, dos encargos, dos títulos?

 Além do poder abraçado com gozo. Deixar de vez nossa cumplicidade instituída de segregações quer internamente, quer nação pastoral; deixar ruir estruturas relacionais envolvidas na aspereza, em preconceitos, na mesmice da aparente normalidade. E no autoritarismo pastoral. São amostras da fraternidade suicida. Coisas de Caim. Reestruturação: Igreja, paróquias, Missões. Comunidades Apostólicas.

Recriar uma abertura fraternal que busca uma nova humanidade e que devolve aos empobrecidos e desclassificados sua igual dignidade.

Como escreveu Gelfe: Esse é o nosso Deus. (...) O que Ele espera de você é somente o seu desejo de ser semelhante a Ele. (...) Não demore, dê sua resposta de amor por Deus, não se importe com a situação, por mais difícil e solitário que pareça o seu caminho, acredite:

 VOCÊ NUNCA ESTÁ SÓ.

 

Pe. Dalton Barros de Almeida, C.Ss.R - Coronel Fabriciano, MG 

Akikola - Informativo da Província de MG, RJ e ES n Ano 29 n Nº 05 n Julho de 2011